No primeiro mandato de Dilma, Eduardo Cunha anteviu que ela poderia cair. Então, jogou o jogo da Câmara para cercar a presidente
FLÁVIA TAVARES
No dia 31 de março, o
ex-deputado Roberto Jefferson, do PTB,
deteve-se na análise do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Com a eloquência de quem conhece os negócios da política e a política dos
negócios, de quem expôs os meandros do mensalão e foi condenado a sete anos de
prisão por envolvimento no esquema, Jefferson fez uma leitura precisa sobre o
condutor desse processo, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “O bandido por quem mais
torço é o Cunha”, disse Jefferson ao jornal O Estado de S. Paulo.
“Gelado, frio, equilibrado. Qualquer jogo ele joga, qualquer parada ele topa.
Ele sabe onde aperta o calo do outro bandido.” Jefferson reconhece em Cunha um
adversário à altura doPT.
O erro do PT foi não fazer o mesmo.
Não há como contar a história do processo de impeachment de
Dilma na Câmara sem narrar a ascensão de Cunha, sem considerar o domínio que
ele tem do jogo travado ali e como ele se aproveitou disso para cercar a
presidente. Cunha sabe lidar com os deputados que o cercam por pensar
exatamente como eles. Na sexta-feira, enquanto conduzia a sessão que dava
início à votação do plenário sobre o impeachment, mais uma denúncia era
confirmada por jornais. Conforme ÉPOCA antecipara
em dezembro, o delator Ricardo Pernambuco Jr., da Carioca Engenharia,
disse aos procuradores daLava Jato que empresas ligadas às obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro,
deveriam pagar R$ 52 milhões de propina a Cunha.
No domingo, na sessão em que a presidente foi derrotada na
Câmara, diversos deputados contra o impeachment - e até alguns a favor -
acusaram Cunha de não ter legitimidade para conduzir o processo. Ao longo dos
três dias das sessões, Cunha ouviu de colegas que é ladrão, que era ele quem
deveria sofrer o impeachment, que sua hora se aproxima. Quando não se retirava
do plenário, ele ouvia as acusações sem mover um músculo.
Eventualmente, quase sempre com a mão esquerda suportando o queixo, dava umsorrisinho de canto de boca. Ele não se abala – nem
seus colegas se mobilizam por sua saída. Os parlamentares estão mais atentos a
interesses paroquiais e menos ao cenário nacional. A multiplicação de partidos
com cadeiras na Casa – hoje são 25 – fragmenta ainda mais esses interesses. A
Câmara não está dividida entre PSDB e PT, governo e oposição. Está loteada por mínis PMDBs.
Cunha sempre soube disso e, na descrição de Jefferson, joga esse jogo com
frieza.
O que leva Cunha a
dominar os colegas é também saber pensar como as elites partidárias. Cunha
anteviu, já no primeiro mandato de Dilma, que ela poderia cair. A Operação Lava Jato foi tomando forma e ele, alvo das
investigações, beneficiário do petrolão, percebeu o potencial de estrago não só
para o PMDB, mas para o PT. Sabia que Dilma teria imensa dificuldade de
governar. Em março de 2014, formou o “blocão” – grupo de 242 deputados de sete
partidos da base e do Solidariedade, da oposição, para impor derrotas ao
governo em votações. Cunha perdera a confiança em Dilma e no PT quando promessas
de cargos e liberação de emendas foram descumpridas. Deslealdade é algo que não
se aceita na Câmara. Dilma e seu conselheiro-mor na época, o ministro Aloizio
Mercadante, calcularam que poderiam prescindir do PMDB e dos
parlamentares. Erraram. “Sempre erram. Não precisamos fazer nada, só esperar o
erro deles”, Cunha diz sobre o PT. Cunha foi eleito presidente da Câmara, em
fevereiro de 2015, com o apoio dos deputados que se sentiam traídos pelo
Planalto. Derrotou o candidato do governo, o petista Arlindo Chinaglia.
Em julho, acuado por mais uma denúncia da Lava Jato e convencido
de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se dedica a investigá-lo com mais
afinco por ordem de Dilma, Cunha rompeu com o governo. Ainda tentou uma
reaproximação com os petistas para se salvar de uma cassação no Conselho de Ética.
Os deputados do PT não o apoiaram e, no mesmo dia, Cunha aceitou o pedido de
abertura do processo de impeachment da presidente. O advogado-geral da União, José Eduardo
Cardozo, chama isso de vingança. OSupremo Tribunal
Federal impôs uma
derrota a Cunha, ao ordenar que refizesse o rito do processo. A presidente
Dilma Rousseff radicalizou seu discurso. Pressionados por suas bases populares,
os deputados foram se aglomerando em torno de Cunha, a abelha rainha do
Congresso.
O vice-presidente da República, Michel Temer,
foi tragado por esse movimento. Temer não é um jogador como Cunha. É só muito
educado. O PT foi à luta para ficar no poder e se entregou ao fisiologismo.
Ofereceu cargo de todo tipo para que os deputados votassem contra o
impeachment. Cunha apenas esperou. Foi acumulando capital político junto aos
próceres do PMDB, como Temer. Colocou-se em posição confortável para, agora,
oferecer aos mesmos deputados os mesmos cargos que o governo ofereceu – mas num
eventual governo Temer. É com esse tipo de jogo que Cunha chega
ao momento crucial de sua presidência da Câmara. Foi com esse capital
político que Cunha conduziu a derrota mais estrondosa do PT desde que o partido ascendeu ao topo
do poder. Resta saber quanto tempo ele ainda triunfará na presidência da Câmara
sem que as denúncias que pesam contra ele o alcancem.
Postar um comentário
Blog do Paixão